domingo, 11 de maio de 2008

Extractos do livro de Manuel Alegre "Um cão como nós"


" Cão bonito, dizia eu, em momentos raros. E era um acontecimento lá em casa. Os filhos como que se reconciliavam comigo, minha mulher sorria, o cão começava por ficar surpreendido e depois reagia com excesso de euforia, o que por vezes me fazia arrepender da expressão carinhosa.
Cão bonito. E ei-lo aos pulos, a dar ao rabo, a correr a casa toda.
Digamos que aquele cão era quase um especialista nas relações com os humanos. Tinha o dom de agradar e de exasperar. Mas assim que eu dizia – Cão bonito – ele não resistia. Deixava-se dominar pela emoção, o que não era vulgar num cão que fazia o possível e o impossível para não o ser."


"Não era um cão como os outros. Era um cão rebelde, caprichoso, desobediente, mas um de nós, o nosso cão, ou mais que o nosso cão, um cão que não queria ser cão e era cão como nós."


"Às vezes eu dizia-lhe aquele fabuloso verso de Camilo Pessanha: "Só incessante um som de flauta chora".E ele arrebitava as orelhas.Tenho a certeza que estava a ouvir a flauta."

“Alguém falou da tristeza e do vazio do olhar dos animais. Vi a tristeza, em certos momentos, no olhar do cão. A tristeza de quem quer chegar à palavra e não consegue. Mas não vi o vazio. O vazio está talvez nos nossos olhos. Quando por vezes nos perdemos dentro de nós mesmos. Ou quando buscamos um sentido e não achamos.O cão sabia o sentido, o seu sentido. E nunca se perdia.”


"Há momentos em que parto não sei para onde. Navegação espiritual. Ou dispersão na terra abstracta, a única que se vê quando não se vê. São as grandes caçadas dentro de mim mesmo, a busca da magia perdida, uma palavra cintilante, uma perdiz imaginária, um sopro, um ritmo, uma espécie de bafo. Como o teu. Às vezes sinto-o, outras não. Mas sei que estás aí, algures, enroscado na minha própria solidão."

Todos nós conhecemos aquele velha frase "Quanto mais conheço o Homem mais gosto dos animais", se todos nós conseguíssemos aprender com os animais, a dar sem esperar em troca, a gostar dos outros sem reservas, sem desconfianças, abertamente, gostar só porque sim, só porque é bom amar o próximo, só porque é bom conseguirmos tornar alguém feliz, o nosso Mundo seria bem melhor.

Neste livro Manuel Alegre comove-nos não só pela entrega, e pelo amor ao animal (tratando-o inconscientemente de igual para igual) mas também porque assume que aprendeu com ele o que de melhor ele tinha para lhe oferecer, a lealdade e o amor sem reservas . " Um cão que não queria ser cão, mas afinal era um cão como nós".

Talvez fosse melhor o nosso Mundo se fosse um Mundo de Cão ...

P.S.
O meu signo chinês é cão, pode ser que não tenha já muito para aprender, gostaria que dentro de mim já houvesse um bocadinho da pureza e da entrega incondicional que só podemos encontrar num cão.


1 comentário:

MisteriosaLua disse...

Miguita, é um livro que nos faz pensar! Só tenho pena que nem todos saibamos aprender com os animais..