sexta-feira, 22 de junho de 2012


Voltei a ser capaz de sentir AQUELA PAZ...

Quando o aperto nos meus braços: tão cheiroso, tão bom, tão macio ...
Quando me sento junto ao seu berço a vê-lo dormir: tão sereno  ...
Quando acorda e se movimenta com os seus movimentos de bébé: tão graciosos, tão inocentes ...




Criança, sonha ...
Não saibas – imagina ...
Deixa falar o mestre, e devaneia ...
A velhice é que sabe, e apenas sabe
Que o mar não cabe
Na poça que a inocência abre na areia

Sonha!
Inventa um alfabeto
De ilusões
Um a-bê-cê secreto
Que soletres à margem das lições

Voa pelas janelas
De encontro a qualquer sol que te sorria!
Asas?
Não são precisas
Vai ao colo das brisas,
Aias da fantasia.
Miguel Torga



quinta-feira, 14 de junho de 2012

Rui Veloso - Do meu vagar





Lentamente sinto instalar-se em mim uma agradável letargia, finalmente tenho a capacidade de saborear a vida e os momentos, os já vividos e os que sonho viver.  

Ofereço-me e ofereço-vos esta extraordinária música do Rui Veloso, com esta genial letra de Carlos Tê :


Já não há mais o vagar
De quando se comia sentado
E devagar se caminhava
Até chegar a qualquer lado
Agora vai toda a gente
Sempre de mão na buzina
Sempre na linha da frente
A tremer de adrenalina

Do meu vagar não traço rotas
Não tenho trilho que me prenda
Não tiro dados nem notas
Não encho uma linha de agenda
Do meu vagar não chego a Meca
Não faço nada num só dia
Não corto o fio da meta
Não vejo Roma nem Pavia
Do meu vagar
Sei que nunca hei-de ir longe
Vou aonde for preciso
Vou indo do meu vagar
Em busca do tempo perdido
E se um dia o encontrar
O longe não faz sentido

Do meu vagar há um nicho
Um pico de ilha insubmersa
Onda há lugar para o capricho
Que dá pelo nome de conversa
Do meu vagar a paisagem
Ainda tem beleza em bruto
E vale mais uma palavra
Que mil imagens por minuto
Do meu vagar
Sei que nunca hei-de ir longe
Vou aonde for preciso
Vou indo do meu vagar
Em busca do tempo perdido
E se um dia o encontrar
O longe não faz sentido

BOM FIM DE SEMANA !!!

sexta-feira, 8 de junho de 2012

Bom fim de semana !!!!



Mundo Deserto

Elis Regina

No mundo deserto de almas negras
Me visto de branco
Me curo da vida sofrida, sentida
Que deram pra mim
No mundo deserto de almas negras
Sorriso não nego
Mas vejo um sol cego
Querendo queimar o que resta de mim
Vivo no mundo deserto de almas negras
Vivo no mundo deserto de almas negras
Vivo no mundo deserto de almas negras
Na vontade de verdade
Eu quero ficar
E não acredito no dito maldito
Que o amor já morreu
Tenho fé que o meu país
Ainda vai dar amor pro mundo
Um amor tão profundo, tão grande
Que vai reviver quem morrer

terça-feira, 5 de junho de 2012

Para acordar consciências neste nosso tempo de cada vez maior desumanidade ...

Óleo de Paula Rêgo

Procura-se um amigo
Não precisa ser homem, basta ser humano, basta ter sentimentos, basta ter coração. Precisa saber falar e calar, sobretudo saber ouvir. Tem que gostar de poesia, de madrugada, de pássaro, de sol, da lua, do canto, dos ventos e das canções da brisa. Deve ter amor, um grande amor por alguém, ou então sentir falta de não ter esse amor.. Deve amar o próximo e respeitar a dor que os passantes levam consigo. Deve guardar segredo sem se sacrificar.

Não é preciso que seja de primeira mão, nem é imprescindível que seja de segunda mão. Pode já ter sido enganado, pois todos os amigos são enganados. Não é preciso que seja puro, nem que seja todo impuro, mas não deve ser vulgar. Deve ter um ideal e medo de perdê-lo e, no caso de assim não ser, deve sentir o grande vácuo que isso deixa. Tem que ter ressonâncias humanas, seu principal objetivo deve ser o de amigo. Deve sentir pena das pessoa tristes e compreender o imenso vazio dos solitários. Deve gostar de crianças e lastimar as que não puderam nascer.

Procura-se um amigo para gostar dos mesmos gostos, que se comova, quando chamado de amigo. Que saiba conversar de coisas simples, de orvalhos, de grandes chuvas e das recordações de infância. Precisa-se de um amigo para não se enlouquecer, para contar o que se viu de belo e triste durante o dia, dos anseios e das realizações, dos sonhos e da realidade. Deve gostar de ruas desertas, de poças de água e de caminhos molhados, de beira de estrada, de mato depois da chuva, de se deitar no capim.

Precisa-se de um amigo que diga que vale a pena viver, não porque a vida é bela, mas porque já se tem um amigo. Precisa-se de um amigo para se parar de chorar. Para não se viver debruçado no passado em busca de memórias perdidas. Que nos bata nos ombros sorrindo ou chorando, mas que nos chame de amigo, para ter-se a consciência de que ainda se vive.
Vinicius de Moraes

segunda-feira, 4 de junho de 2012



Óleo de Paula Rêgo

Cansaço
O que há em mim é sobretudo cansaço —
Não disto nem daquilo,
Nem sequer de tudo ou de nada:
Cansaço assim mesmo, ele mesmo,
Cansaço.

A subtileza das sensações inúteis,
As paixões violentas por coisa nenhuma,
Os amores intensos por o suposto em alguém,
Essas coisas todas —
Essas e o que falta nelas eternamente —;
Tudo isso faz um cansaço,
Este cansaço,
Cansaço.

Há sem dúvida quem ame o infinito,
Há sem dúvida quem deseje o impossível,
Há sem dúvida quem não queira nada —
Três tipos de idealistas, e eu nenhum deles:
Porque eu amo infinitamente o finito,
Porque eu desejo impossivelmente o possível,
Porque quero tudo, ou um pouco mais, se puder ser,
Ou até se não puder ser...
E o resultado?
Para eles a vida vivida ou sonhada,
Para eles o sonho sonhado ou vivido,
Para eles a média entre tudo e nada, isto é, isto...
Para mim só um grande, um profundo,
E, ah com que felicidade infecundo, cansaço,
Um supremíssimo cansaço,
Íssimno, íssimo, íssimo,
Cansaço...
Álvaro de Campos, in "Poemas"