quarta-feira, 20 de abril de 2011

O Gato de João Monge


O GATO

Um dia resolvemos partir, mudar de mãos e lençóis. Resolvemos mudar a vida e a cor do guardanapo para ninguém adivinhar o novo lugar à mesa.

Empacotamos os sonhos e os desejos (confundindo uns com os outros), alguns livros de cabeceira, uns chinelos e um pijama novo para o que der e vier.

O que não ficou resolvido jaz esquecido no cesto da roupa suja com um poema antigo que perdeu o sentido e um quadro que já não apetece.

Olhamos as paredes pela última vez e deixamos a porta no trinco só para atazanar os larápios com a facilidade do vazio.

Nesta altura toda a gente tem horror a despedidas. Ninguém se denuncia.

Só quando a vida que fomos se entrelaça na paisagem é que nos apercebemos que deixámos a janela aberta.

Alguns voltam atrás.

Por causa do gato.

João Monge

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