domingo, 20 de março de 2011

No dia Mundial da Poesia - João Monge.


ESPINGARDAS E CEGONHAS

As crianças trazem cegonhas de Paris.
Roubam-nas aos carrosséis de lata e concertina
e fazem-lhes berços de oliveira no alto das chaminés.
Depois brincam de roda no céu
enquanto o calor do pão
aquece o soninho das cegonhas

O meu avô não sabia ler.
Um dia fez-me uma espingarda com uma cana
e disse-me que os poetas conseguem ver as crianças
brincando à volta das chaminés.
Eu perguntei-lhe: o que é um poeta, avô?
E vai ele num repente:
É uma pessoa que vê o que não existe,
escreve o que não se vive,
e faz voar o que nem andar sabe.

Não entendi nada
mas, quando ele me afagou o rosto
e me colocou a espingarda no colo
percebi que um dia podia ser um grande caçador!

Era assim o meu avô…

Isto só vem a propósito
porque tinha a Belmira no telhado.
Vinha todos os anos
e aquecia-se ao calor do pão.

A cegonha Belmira...

Apesar de eu ser um caçador,
embora de calções,
nunca apontei a minha espingarda de cana à Belmira.
Nunca!

João Monge

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