terça-feira, 26 de outubro de 2010

Dedico este post a alguém muito importante para mim, alguém que apesar dos muitos anos que tem, me dá uma grande paz interior sempre que a visito. Talvez porque tem a capacidade de me transmitir a paz e a felicidade que sente, talvez porque o mundo que inventou para ela seja um mundo perfeito. Quando me sinto menos bem dá-me sempre uma vontade gigantesca de a visitar e conversar com ela sobre o mundo onde ela vive. Um mundo de paz sem dúvida mas acima de tudo um mundo de muito amor. Talvez um dia consiga viver num mundo assim ...


"Como é que imaginas essa velhice?
Como um tempo de sabedoria. Uma sabedoria natural que tu acumulas sem te dares conta. Vais perdendo memórias, mas isso não é tão grave assim. Porque o fundamental não esqueces. As configurações do prazer, da culpa.

Essa sabedoria traz humildade?
Traz uma humildade absoluta que é a gratidão. A verdadeira humildade é uma gratidão. No sentido de “olha lá a sorte que eu tive”. Voltamos ao que disse lá atrás. Saber apreciar isto de estar vivo. Os objectos pequenos, o cheiro das coisas, a maneira dos gatos entrarem em casa. A riqueza do mundo, sem precisares de comprar seja o que for. Por exemplo, no outro dia descobri uma quinta, a Quinta da Ribeira, onde vendem pão embrulhado em cobertores, óptimo. Ainda não tinham apanhado as laranjas, porque é muito cedo. Mas estava lá o pomar. E eu atrevi-me e arranquei duas laranjas, mesmo quando ia a passar um padre que olhou para o chão, como quem perdoa, porque aquilo pertence ao seminário ou ao patriarcado, parece uma coisa do século XIX. Roubei essas laranjas, as primeiras laranjas do ano, sacadas por mim, com as folhas e tudo, mais a rama. Estive uma hora e meia à volta das laranjas, com a Maria João. Partimos os gomos e revisitámos todas as maneiras de comer laranjas. O prazer, o cheiro, aquilo tudo esmigalhado, o óleo a marcar os nossos braços. A comparação com outras laranjas. É uma coisa que só se pode apreciar aos cinquenta anos. Se tu fizeres isso agora, não chegas lá da mesma maneira. Falta-te a idade."

[Entrevista do MEC publicada na edição de 15 de Dezembro do suplemento 6.ª do Diário de Notícias]




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