quarta-feira, 2 de junho de 2010

Óleo de Guilherme Parente

Digo:
"Lisboa"
Quando atravesso - vinda do sul - o rio
E a cidade a que chego abre-se como se do meu nome nascesse
Abre-se e ergue-se em sua extensão nocturna
Em seu longo luzir de azul e rio
Em seu corpo amontoado de colinas -
Vejo-a melhor porque a digo
Tudo se mostra melhor porque digo
Tudo mostra melhor o seu estar e a sua carência
Porque digo
Lisboa com seu nome de ser e de não-ser
Com seus meandros de espanto insónia e lata
E seu secreto rebrilhar de coisa de teatro
Seu conivente sorrir de intriga e máscara
Enquanto o largo mar a Ocidente se dilata
Lisboa oscilando como uma grande barca
Lisboa cruelmente construída ao longo da sua própria ausência
Digo o nome da cidade
- Digo para ver

Sophia de Mello Breyner Andresen

1 comentário:

Pedro Branco disse...

Saía solto sem se demorar
Levava histórias em cada passo seu
O vagabundo só sabia olhar
Pra dentro do que não era seu

Pedia em jeito de janela aberta
Fechado que estava sempre para a vida
O vagabundo não tinha nunca hora certa
Na chegada que era sempre despedida

Cantava às vezes como quem fugia
Por entre as ruas e luzes da cidade
O vagabundo de noite ou de dia
Tinha as mãos em chaga de amor e saudade

Às vezes quando se calava
No grito forte de nova morte
O vagabundo tinha quem olhava
Com pena para a sua sorte

Talvez eu seja só mais um
Que um dia já bateu no fundo
Mas creio que é muito comum
Termos em nós, um certo vagabundo...

Nunca conseguiria olhar tão bem a cidade, mas ousei espreitar uma tentativa, ao lado de um dos maiores génios da poesia. Beijo.