quarta-feira, 25 de maio de 2011


Se ao menos a gente pudesse viver com as coisas mais simples em vez de recordar as complicadas. Voltar à pobreza do elementar: luz, água, pedra. O avô de alguém que me é querido dizia de uma pessoa boa É bom como o pão e ao lado disto que maior elogio se pode fazer? A nossa língua torna-se maravilhosa com palavras como estas É bom como o pão e lembro-me das mulheres que beijavam o pão duro antes de o deitar fora, da minha avó que se horrorizava ao ver um pão ao contrário: punha-o logo direito a pedir desculpa em silêncio, movendo a boca. Sempre me senti bem nas padarias: o cheiro, o lume, os padeiros enfarinhados que eu achava, acho ainda, serem anjos que se transviaram, de braços cobertos por uma poeira celeste. Tudo neles era branco até as sobrancelhas, as pestanas. O olhar branco também. Os gestos. Não olhos cegos, olhos brancos. E eu à porta a espantar-me. O eco das vozes nos tijolos, dos passos, da lenha no forno. Bom como o pão: ora toma, António. Aprende a escrever à maneira. O facto é que me interessa muito mais um padeiro que um economista. Ou um gestor.

Criaturas que, não sei porquê, me dão pena: economistas, gestores, administradores, directores, banqueiros. Deve ser triste ganhar dinheiro assim. O que sonhará um economista, a que brincava um gestor em criança? Ou nasceram já crescidos? Imagino-os debaixo do chuveiro, de gravata, a falar ao telemóvel. E sabe-se que são velhos não pelo aspecto mas porque quando contam que arranjaram uma secretária boa se referem a um móvel. O que sonhará um economista posso imaginar mais ou menos, agora o que sonha a mulher de um economista é que me preocupa. Se eu fosse mulher de um economista sonhava com canalizadores ou mecânicos de automóvel, homens que usam as mãos e não lêem revistas de golfe nos domingos de chuva. Estou a brincar. Não conheço nenhum economista, aliás. Se conhecesse abria-lhe logo a tampa a fim de espiar o que traz na barriga: cartões de crédito, canetas caras, camisas por medida? ...

António Lobo Antunes

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