terça-feira, 9 de junho de 2009


Não Fora o Mar!

Não fora o mar,
e eu seria feliz na minha rua
neste primeiro andar da minha casa
a ver, de dia, o sol, de noite
a lua, calada, quieta, sem um golpe de asa.

Não fora o mar,
e seriam contados os meus passos,
tantos para viver, para morrer,
tantos os movimentos dos meus braços,
pequena angústia, pequeno prazer.

Não fora o mar,
e os seus sonhos seriam sem violência
como irisadas bolas de sabão,
efémero cristal, branca aparência,
e o resto — pingos de água em minha mão.

Não fora o mar,
e este cruel desejo de aventura
seria vaga música ao sol pôr
nem sequer brasa viva, queimadura,
pouco mais que o perfume duma flor.

Não fora o mar
e o longo apelo, o canto da sereia,
apenas ilusão, miragem,
breve canção, passo breve na areia,
desejo balbuciante de viagem.

Não fora o mar
e, resignada, em vez de olhar os astros
tudo o que é alto, inacessível, fundo,
cimos, castelos, torres, nuvens, mastros,
iria de olhos baixos pelo mundo.

Não fora o mar
e o meu canto seria flor e mel,
asa de borboleta, rouxinol,
e não rude halali, garra cruel,
Águia Real que desafia o sol.

Não fora o mar
e este potro selvagem, sem arção,
crinas ao vento, com arreio,
meu altivo, indomável coração,

Não fora o mar
e comeria à mão,
não fora o mar e aceitaria o freio.

(Fernanda de Castro)

2 comentários:

Leticia Gabian disse...

Ai, Isabelita... Sinto tanto a falta do meu mar... Das coisas que me contam as ondas, das músicas que cantam as palmeiras...!
O mar daqui, também é lindo... Mas, não tem o meu sotaque!

Pedro Branco disse...

Saberei eu inventar-me em mar
E talvez uma tempestade nascesse
Arrancando do meu peito um novo amor
Cantando as marés entre a ternura e o calor
Só para que tudo grite e regresse
Ao mais fundo do nosso olhar

Saberei eu inventar-me livre em corrente
Como quem agarra o tempo e o areal
Arrancando em nós o tempo seguro
Cantanto as fontes de um rio puro
Que desague no limiar do bem e do mal
E a noite adormeça finalmente...

Saberei eu ser-me solitário e poeta
Pelos trilhos da nossa peregrinação
Forte onda que se entrega no abraço
Sargaços e pegadas de amor e cansaço
Maresia eterna da minha mão
Que em mim, se faz madrugada inqueita